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Cânion da coca, o tendão de Aquiles do projeto de paz na Colômbia
"Vão embora!". Os gritos da multidão enfurecida ressoam em uma montanha cheia de plantações de folha de coca em um território guerrilheiro da Colômbia. Na parte de cima, dezenas de militares se retiram em um conflito que expõe as fissuras da aposta de paz do governo.
As montanhas de Cañón del Micay (sudoeste) se transformaram em um micro-Estado, sob o comando de guerrilhas confrontadas entre si e em guerra contra o Exército. No meio, os agricultores sofrem com a violência e o abandono estatal.
"Temos medo, temor, desespero, falta de esperança, tristeza. Isso é o que temos no coração", disse à AFP uma líder de 67 anos, que não quis revelar sua identidade.
Desde outubro, militares e policiais tentam, sem sucesso, tomar o controle de uma das regiões com mais narcocultivos da Colômbia, o maior produtor de cocaína do mundo.
A ofensiva "Perseo" sofreu um duro golpe na quinta-feira quando 29 militares foram detidos por moradores até sábado, após intensos choques que deixaram tanques incendiados e casas baleadas. Na terça-feira, cinco soldados morreram devido a um ataque guerrilheiro com explosivos.
Os habitantes alegam que as manobras militares trazem apenas mais mortos e clamam por um Estado que remedie a falta de educação, saúde e serviços básicos. Outros, em voz baixa, confessam cansados que são mobilizados sob ordens de dissidentes do Estado Maior Central, a organização mais poderosa na região.
Os rebeldes que rejeitaram o acordo de paz com as Farc em 2016 operam à vista de todos. À paisana ou uniformizados, vigiam com fuzil em mão em postos improvisados de controle. Também proíbem o consumo de cocaína e, algumas vezes, de álcool.
Desencantados com o governo de Gustavo Petro, os moradores pedem para não acabar com o sustento de milhares de famílias cocaleiras nessa região de Cauca, o departamento onde o mandatário esquerdista recebeu em 2022 um apoio esmagador (81% dos votos).
"Esperava-se que fosse o governo da mudança e olha como nos ataca, nos traz guerra. Ao invés de chegar ao nosso território com investimentos (...) chega nos atacando", diz um líder camponês e catador de 37 anos, sob anonimato.
Os inesgotáveis narcocultivos pareciam desolados durante a visita da AFP. Aqueles que lavraram incansavelmente a paisagem se dedicavam a expulsar o Exército, com uma logística meticulosa de centenas de participantes divididos em tarefas de alimentação, transporte, hospedagem e maciças romarias até os postos militares.
Petro assegura que os moradores são "instrumentalizados" por grupos armados.
“O que o governo está pensando em fazer no Cañón del Micay não é queimar fazendas, (...) não é fumigar campos (...) é transformar a economia em uma que progrida. E pedimos aos camponeses de Micay que nos ajudem, não que ajudem o traqueto (narcotraficantes)”, diz.
"A maioria quer nos ajudar, votaram em nós (...) não vamos trai-los", insiste. Na área ainda há 1.500 militares e policiais.
Na meia-noite de sábado, os moradores acordaram espantados com comentários de um possível bombardeio. O alerta: um sobrevoo barulhento seguido de um estrondo similar ao de um bombardeio. Segundo os moradores, houve uma explosão em uma área desabitada, o que consideram uma estratégia militar de "guerra psicológica".
"Tínhamos uma grande esperança que esse presidente ia mudar a nossa vida ou ia nos dar um apoio. Foi tudo ao contrário. Hoje nos sentimos decepcionados", lamenta a mulher.
"Se não quer não haja investimento social, que não haja nada. Mas que nos deixem viver tranquilos", pede.
F.Pedersen--AMWN